quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ouro de tolos: O Estatuto da Igualdade Racial e a submissão política

Por Jaime Alves*
O Senado Federal aprovou no último dia 16 de junho a versão demostiniana do Estatuto da Igualdade Racial. Trata-se de um texto indigesto apenas palatável para aquela fatia minúscula do movimento negro que, protegida pelo manto clerical ou de olho em alguns dividendos para as eleições 2010, se submete (e a todos nós) a um constrangimento histórico. Depois de dez anos de luta, e para salvar algumas plataformas político-partidárias no apagar das luzes, um acórdão retirou as propostas mais substanciais do documento como: a reserva de vagas nas universidades públicas, as políticas de saúde específicas para a comunidade negra e a demarcação das terras quilombolas. Os três tópicos em si já representam a bandeira de lutas mais significativa do movimento negro porque elas são resultado de um acumulado histórico de reivindicações. Em nome de quem a meia dúzia de gatos pingados falando em nome do movimento negro endossou tão indecente proposta? A quem interessa um Estatuto que já nasce morto? O que a aprovação do Estatuto light tem a nos dizer sobre os processos de submissão política negra nos últimos anos? Por que a pressa em aprovar um Estatuto vazio de propostas?
Sem querer generalizar a experiência pessoal para o conjunto dos movimentos negros, aqui vai um palpite: nos últimos oito anos, militando em um modelo de movimento onguista ‘particular’ em São Paulo, “aprendi” que agora é hora de negociar, que a história chegou ao fim, que já não há espaço para sustentar  um projeto radical de transformação social, de que a palavra de ordem agora é ocupar menos a rua e fazer mais  lobby político nos bastidores do poder, que ao invés das ruas, devemos ocupar a ponte aérea, os gabinetes. Aprendi que a palavra ‘raça’ deve ser retirada do vocabulário e ser substituída pelo eufemismo ‘diversidade’, que a palavra ‘reparação’ ou ‘justiça racial’ dever ser substituída pela mais palatável ‘igualdade racial’.
É neste contexto de pobreza da imaginação política que a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial deve ser entendida. A palavra “radical” em certos círculos tomou uma conotação tão estranha e tão vazia de significados que soa com a mesma intensidade da palavra comunista no período da guerra-fria. Isso para não falar na palavra “utopia”, utopia negra, vista como um sacrilégio. E olhe que não falo de utopia como ideal irrealizável, mas como sonho e luta de transformação radical para deslocar as bases de poder tradicionais na nossa sociedade.
Pois bem, da maneira como foi aprovado, o Estatuto representa uma carta de intenções genéricas que diz pouco ou quase nada sobre a luta do povo negro, mas que diz muito sobre o momento histórico em que vivemos. No entanto, o que mais me angustia no Estatuto aprovado não é o corte do senador Demóstenes Torres (ex-PFL-GO). O senador fala de um lugar racialmente privilegiado. Está defendendo os interesses do seu grupo. E disso não há duvida!
O que assusta é que, em um momento de refluxo da luta social, em um momento em que os movimentos sociais da cidade e do campo sofrem uma aprofunda criminalização, quando  se intensifica o massacre da juventude negra nas periferias urbanas, algumas ‘lideranças’ – supostamente inspiradas por Zumbi  e pelo espírito santo – endossam uma proposta indecente como a que agora temos.  Admito que talvez eu esteja deprimido e admito que estar deprimido é um privilégio quando tantos estão sobrevivendo no inferno. Mas talvez devêssemos nos perguntar: por que a recusa fatalista da utopia negra?  Em nome de quem o Estatuto foi negociado? Não em meu nome!

* É antropólogo e membro da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros)

O filósofo da contracultura


Hebert Marcuse é um dos mais importantes filósofos da chamada Escola de Frankfurt. E também um dos que mais se distanciaram do pensamento apocalíptico que caracterizou essa escola. Enquanto Adorno chamava a polícia para reprimir os jovens revoltosos de 1968, na Alemanha, Marcuse era o líder intelectual da garotada que pretendia fazer uma revolução baseada em princípios de liberdade e beleza. A influência de Marcuse na década de 60 era tão grande que se dizia que a juventude seguia três Ms: Marx, Mao, Marcuse.

A crítica à racionalidade técnica irá direcionar toda a sua obra. Para ele, a instrumentalidade das coisas tornava-se a instrumentalidade dos indivíduos. Em outras palavras, o ser humano era visto como uma coisa, como um instrumento, e não como um indivíduo. Ao invés do homem dominar a máquina e tecnologia, como previa a utopia iluminista, era o homem que estava sendo dominado pela máquina e pela tecnologia. As pessoas são transformadas em coisas, reproduzidas em seqüência, massificadas, como produtos saindo de uma linha de montagem.

Marcuse denunciou a criação do chamado homem unidimensional: um indivíduo que consegue ver apenas a aparência das coisas, nunca indo até a sua essência. O homem unidimensional é conformista, consumista e acrítico. Ele se acha feliz porque a mídia lhe diz que ele é feliz e, quando se sente triste, vai ao shopping, fazer compras.

Para Marcuse, as mudanças só ocorreriam se houvesse a liberação de uma nova dimensão humana. Um princípio básico deveria permear essa nova revolução: a liberdade.

A nova sociedade, que surgiria das ruínas da sociedade consumista, deveria ter uma dimensão estético-erótica e, no lugar do consumismo, do conformismo, da competição, surgiriam os valores da felicidade, da paz e da beleza.

À pergunta de Adorno "É possível fazer poesia depois de Auschwitz?", Marcuse vai responder positivamente. A arte ainda é possível, desde que seja uma arte revolucionária, que denuncie a sociedade unidimensional e leve aos receptores os novos valores. Curiosamente, Marcuse vai encontrar justamente em um produto da Indústria Cultural, tanto criticada pela Escola de Frankfurt, um exemplo dessa arte revolucionária: as músicas de Bob Dylan.

Segundo o filósofo, "A arte só pode cumprir sua função revolucionária se ela não fizer parte de nenhum sistema, inclusive o sistema revolucionário". O artista deve não consolar, mas instigar o seu público e fazê-lo rever seus valores. A trajetória de Bob Dylan demonstra bem isso. Quando achou que seu público estava acostumado com suas músicas políticas, ele lançou um disco não político.

No campo dos quadrinhos, o melhor exemplo talvez seja o roteirista britânico Alan Moore. Suas histórias sempre apresentaram uma dimensão crítica, seja do sistema (em V de Vingança), seja da potencialidade destrutiva da ciência, representada pela bomba atômica (em Watchmen e Miracleman). Quando seus fãs se acostumaram com seu trabalho mais intelectualizado, ele passou a fazer histórias de super-heróis para a editora Image.

Assim, para Marcuse, a nova arte não seria uma peça de museu, mas algo vivo, a expressão de um novo tipo de homem. Em alguns momentos, a recusa da obra de arte poderia ser uma forma de fazer arte.

Esse pensamento influenciou o movimento da contracultura, com seus fanzines, revistas alternativas e rádios livres. Outra conseqüência foi a anti-arte, um movimento que, em sua versão mais branda, procura demonstrar o equívoco da arte como ornamento, como peça de museu. Um exemplo disso foi o barquinho pirata colocado pelo estudante de jornalismo Cleiton Campos no meio de obras famosas durante a última Bienal. O quadro de Cleiton não tinha qualquer valor artístico, mas valor de atitude. Colocar em dúvida o aspecto sacramental da arte pode, também, ser um tipo de arte.

Ainda hoje, na condição de professor de Filosofia no ensino médio, no Brasil desenvolvo as idéias da contracultura - a partir do livro, Vida Alternativa - Uma revolução do dia a dia, conferência de Marcuse sobre a paz e conscientização ecológica que Fernando Gabeira transformou em livro no início da década de 80.
 
Hoje trabalho com a idéia de cooperação, colaboração, solidariedade, respeito, paz e cidadania, como diria Picasso, "a paz desejada no mundo começa na escola" - além disso, trabalhamos a sustentabilidade sócio-ambiental e a possibilidade da juventude da periferia gerar trabalho e renda sem exploração capitalista de gênero e ou raça. (César Moura)

Questões
1) - Você acha que a contracultura encontra espaço no cotidiano da juventude de hoje? Por quê?
2) - O capitalismo esta agonizando. Até que ponto a contracultura pode ser uma ferramenta das populações periféricas? Por quê?

sábado, 10 de julho de 2010

Hora de investir na mídia alternativa


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Em Seminário, Apeoesp e CUT defendem ampliar apoio à imprensa popular e combater oligopólios da comunicação
Desengavetar a regulamentação dos artigos da Constituição que combatem os oligopólios da comunicação e disciplinam a renovação e a concessão das emissoras públicas de rádio e televisão (artigos 220 e 223) e mobilizar as entidades sindicais e populares para que liderem uma ampla campanha de apoio material aos jornais e rádios da mídia alternativa, com compra de assinaturas e espaços publicitários.
Estas foram as principais conclusões do Seminário “A mídia e os Movimentos Sociais”, realizado pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) nesta quinta-feira (1/7) no Hotel Braston, na capital paulista. O evento reuniu jornalistas e editores da Revista Fórum, dos jornais Brasil de Fato e Hora do Povo, do Blog do Azenha e da ONG Ação Educativa, que debateram com as lideranças dos professores, diretores de escolas, dos supervisores de ensino sobre a criminalização dos movimentos sociais pela “grande” mídia e a construção de alternativas aos conglomerados da mentira.
Na avaliação da presidenta da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha (Bebel), é fundamental que a reflexão proposta pelo Seminário seja interiorizada por cada uma das lideranças e compartilhada com a base, para por um ponto final na hipocrisia de meios de comunicação. Bebel condenou a prática autoritária dos barões da mídia que desrespeitam a liberdade de expressão, lançando mão de calúnias e desinformações contra as entidades representativas e suas lideranças, na ânsia de manter privilégios.
Em nome da Ação Educativa, Fernanda Campagnuci se remeteu à greve do magistério para falar do “sumiço” dos sujeitos históricos, rotineiramente invisibilizados pela reportagem dos jornalões, da rádio e da televisão. “Claro, é preciso distinguir os donos dos meios, os patrões da mídia e os profissionais que nela trabalham. Em 17 estados, os jornalistas encontram-se inclusive limitados por mecanismos cerceativos da liberdade, como era a lei da mordaça em São Paulo. Nesta última greve, apesar dela estar revogada, houve um memorando da Leste 3 impedindo que diretores falassem com a imprensa”. Fernanda lembrou do abuso na manipulação de palavras para descaracterizar o movimento: paralisação “supostamente” por aumento salarial, “esvaziada”, “greve política”.
O escritor e editor da Revista Fórum, Renato Rovai, citou alguns números de pesquisa recente realizada pela Secretaria de Comunicação do governo federal para que todos refletissem: 96,6% dos brasileiros dizem ver televisão - sendo que destes 30,3% têm acesso por antena parabólica; 80,3% ouvem rádio, destes 17,6% por celulares; e 46,1% dos brasileiros maiores de 16 anos costumam acessar a internet, metade deles todos os dias. “São dados que apontam que precisamos dar maior atenção às novas mídias”, sublinhou.
Ouça em “A Voz da Educação”. (CUT Nacional)